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SANTIAGO DE COMPOSTELA: 6 dias no CAMINHO PORTUGUÊS

Existem diversos caminhos que conduzem o peregrino até Santiago de Compostela, na Espanha. Eu escolhi fazer o Caminho Português.

Mas não fiz o percurso mais usual, de 500 km, partindo de Lisboa. Optei por percorrer apenas 113 km, durante 6 dias, saindo de Valença, na fronteira entre Portugal e Espanha.

Nesse post, trago os detalhes de minha peregrinação em cada trecho do Caminho.

Para saber como eu me preparei para fazer o Caminho de Santiago de Compostela, leia o post com link abaixo.

A minha peregrinação até Santiago de Compostela foi planejada juntamente com uma viagem de turismo por Portugal.

Eu já tinha  intenção de fazer “El Camino“, mas não pretendia passar mais de trinta dias percorrendo os 800 km do trajeto mais famoso, o Caminho Francês.

Optei, então, por fazer o Caminho Português, que além de ser mais curto, eu poderia conciliar com minha pretensão de ‘turistar’ por Portugal e, especialmente, visitar o Santuário de Fátima.

Por que a decisão de fazer o Caminho de Santiago de Compostela ?

O Caminho Português
'VIEIRA': símbolo do Caminho de Santiago de Compostela

Apesar de ter sido criada na religião católica, não sou uma cristã praticante, de frequentar a missa semanalmente, embora já o tenha sido. 

Atualmente, mais do que cristã, considero-me uma espiritualista. Também incorporo em minha vivência, crenças e pensamentos procedentes de outras religiões ou filosofias de vida, a exemplo do Budismo.

Portanto, não foi precisamente minha fé católica que me levou a decidir fazer o Caminho de Santiago de Compostela. Foi, antes de tudo, o desejo de passar um longo período em total introspecção e me desafiar na capacidade de superação.

Não esperava transformações pessoais, como já li e ouvi em relatos de alguns peregrinos. Minha intenção era vivenciar a experiência de peregrinação.

E posso dizer que valeu muito a pena. Não precisei caminhar por mais de um mês para vivenciar momentos ricos em aprendizado.

Bastou menos de uma semana, num percurso de apenas 113 km, para chegar a Santiago de Compostela mais evoluída, do ponto de vista espiritual, e com a autoestima elevadíssima; um sentimento de superação e orgulho próprio, indescritível.

Como organizei meu percurso ?

Caminho de Santiago de Compostela

Eu tinha apenas uma semana para fazer o Caminho Português, já que na semana anterior, estaria fazendo um tour por Portugal.

Resolvi, então, organizar meu trajeto saindo da fronteira com a Espanha. Percorreria a quilometragem mínima para obter a Compostela (certificado de peregrinação do Caminho de Santiago de Compostela), que são 100 km. 

A primeira cidade do roteiro seria Tui, na Espanha. De lá até Santiago de Compostela são 110 km.

Como minha última cidade de estadia no roteiro turístico em Portugal foi o Porto, precisei comprar uma passagem de trem que me levasse de lá até a cidade onde eu iniciaria o Caminho.

Comprei online, ainda no Brasil, a passagem até a cidade de Valença do Minho, na fronteira com a Espanha. 

De Valença até Tui, eu faria os meus primeiros 3 km de caminhada na rota portuguesa. E no dia seguinte, iniciaria o percurso de 110 km em terras espanholas.

Portanto, embora eu tenha planejado o trajeto com início em Tui, posso dizer que minha peregrinação começou, de fato, em Valença.

Pegando dicas de sites e blogs de viajantes e peregrinos do Caminho, fiz o planejamento do meu percurso. Distribuí os 110 km (de Tui a Santiago de Compostela) em cinco trechos, que seriam percorridos em cinco dias.

Cada lugar de parada foi definido em função da quilometragem a ser percorrida. Uma média de 15  a 20 km por dia. 

Entretanto, superestimei meu condicionamento físico de corredora e cometi um grande equívoco no primeiro trecho. Estipulei uma distância de 33 km, ou seja, dois trechos num dia só. 

Meu percurso foi o seguinte:

  • Dia 1: Chegada em VALENÇA DO MINHO. Caminhada de 3 km até TUI.
  • Dia 2: de TUI a REDONDELA (33 km)
  • Dia 3: de REDONDELA a PONTEVEDRA (14 km)
  • Dia 4: de PONTEVEDRA a CALDAS DE REIS (23 km)
  • Dia 5: de CALDA DE REIS a PADRÓN (20 km)
  • Dia 6: De PADRÓN a SANTIAGO DE COMPOSTELA (20 km)

Nesse planejamento, eu precisaria chegar a Santiago de Compostela em tempo para assitir à missa do peregrino, que acontece todos os dias às 12:00.

Depois, deveria ir até a Oficina del Peregrino para apresentar minha Credencial del Peregrino, com todos os ‘Sellos’ (carimbos) exigidos, e pegar minha Compostela (certificado de peregrinação no Caminho de Santiago de Compostela).

Conhecendo os lugares de parada, reservei os hotéis em cada de vilarejo, filtrando por preço, conforto básico e localização estratégica, ou seja, fácil de encontrar.

Fiquei hospedada nos seguintes hotéis:

  • TUI – Pensión O novo Cabalo Furado (30 euros);
  • REDONDELA – Hotel Santo Apóstol (29 euros);
  • PONTEVEDRA – Hotel Avenida (32 euros);
  • CALDAS DE REIS – Balneario Acuña (41,60 euros);
  • PADRÓN – Hotel Rosalía (29 euros),
  • SANTIAGO DE COMPOSTELA – Nest Style Santiago (42 euros).

Dica importante !

Como eu não tinha chip de internet para o celular, e para não correr o risco de me perder no Caminho, baixava a rota do dia no Google Maps usando o Wi-Fi da hospedagem. 

Durante a caminhada, mesmo sem internet, a “bolinha azul” do GPS ia marcando minha localização no mapa que havia baixado no Google Maps.

Funcionou, mas acredito que o chip de internet teria me ajudado bastante em alguns momentos do Caminho.

Portanto, recomendo que compre um quando for.

Fazendo "El Camino"

O Caminho Português

Bom, agora chegou o momento de maior interesse. Vou contar como foi minha peregrinação no Caminho Português, trecho a trecho.

Dia 1: de VALENÇA DO MINHO a TUI

Já de posse da Credencial del Peregrino, que peguei na Catedral do Porto, segui em trem para Valença do Minho, na fronteira com a Espanha.

Após desembarcar, antes mesmo de iniciar os primeiros 3 km da minha rota portuguesa, pedi um ‘sello‘ (carimbo) numa cafeteria próxima à estação.

Credencial do Peregrino: identificação de peregrino do Caminho de Santiago.
Caminho de Santiago de Compostela
'Sello': carimbos coletados em estabelecimentos ao longo do Caminho.

É importante que se tenha na Credencial del Peregrino, ao menos dois carimbos por dia, para comprovação da quilometragem percorrida. É necessário caminhar no mínimo 100 km para conseguir a Compostela (Certificado de peregrinação).

A atendente da cafeteria, ao me ver sozinha, rapidamente fez uma advertência para que eu tivesse bastante atenção aos sinais de indicação da direção do Caminho, as típicas “setas amarelas“. 

Contou-me que alguns meses atrás, uma turista americana havia se perdido no Caminho, terminando estuprada e morta por um psicopata que morava no meio do bosque.

Ele havia mudado uma das placas de orientação do Caminho, de a modo a conduzir a peregrina até sua casa. 

Convidou-a a entrar para um café. A moça, ingenuamente, aceitou e convite, sem perceber que estava “caminhando” para a morte. 

A advertência é a seguinte: 

Muita atenção à sinalização das “setas amarelas” ou “símbolos da vieira” ao longo do Caminho de Santiago de Compostela.

Elas costumam estar pintadas no chão, em muretas, postes, muros de casas, troncos de árvores etc.

Em toda bifurcação, deve-se parar para procurar pela seta, evitando tomar o sentido equivocado.

E, durante a caminhada, se passar muito tempo sem ver outros peregrinos ou outras indicações da seta amarela, é sinal que pode estar no caminho errado. Daí vale a pena retroceder em busca de indicações.

ATENÇÃO!

Ao longo do Caminho Português, o peregrino também se depara com “setas azuis“. Elas levam até o Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal.

Cuidado para não seguir as “setas azuis” em vez das “setas amarelas”!

O Caminho Português
Setas amarelas pintadas em muros de casas indicam a direção do Caminho de Santiago de Compostela.
O Caminho Português
Setas amarelas e símbolos de vieiras indicam a direção do Caminho de Santiago. As setas azuis direcionam ao Santuário de Fátima.

Depois da advertência que, com certeza levei em consideração, segui para cruzar a fronteira entre Portugal e Espanha, com destino a Tui.

Para chegar em terras espanholas, precisei apenas atravessar a ponte sobre o Rio Minho.

Chegando ao outro lado da ponte, deparei-me com uma linda cidade medieval, com casas e pedras.

Esse clima de Idade Média é delicioso ! Eu, particularmente, sou fascinada.

Ponte sobre o Rio Minho. Ao cruzá-la, saí de Portugal e entrei na Espanha.
Caminho de Santiago de Compostela
TUI, Espanha: ruelas estreitas e em pedras o proporcionam a atmosfera medieval.

Cheguei em Tui no fim da tarde, com o objetivo de me acomodar no hotel que havia reservado e, posteriormente, dar uma volta no vilarejo.  

Caminhando entre as estreitas ruelas, embriagando-me com a atmosfera medieval, finalmente encontrei a “Pensión O novo Cabalo Furado

Uma residência adaptada para hospedaria, cuja proprietária me recebeu de forma bastante calorosa.

O quarto estava caprichosamente preparado para me receber. Muito limpo e deliciosamente aromatizado.

Depois de um bom banho e já mais restabelecida, fui explorar um pouco mais o vilarejo.

Era sábado; o centro de Tui estava animadíssimo, em clima bastante festivo. Muitas pessoas nas ruas e cafés.

Numa lojinha de souvenir, aproveitei para comprar uma vieira, símbolo do Caminho, para enganchar na minha mochila. Afinal, todo peregrino que se preze tem um vieira na mochila.

A Igreja de São Francisco, cujo altar em ouro se destaca na rústica construção em pedra, estava lotada de fiéis.

Não perdi a oportunidade de assistir à missa que estava sendo celebrada e me preparar espiritualmente para o Caminho.

Num passeio pelo vilarejo, também aproveitei para visitar a Catedral de Santa Maria. Uma enorme vieira em porcelana, localizada na entrada, armazena água benta para os fiéis.

Por fim, ao anoitecer, fui provar o menu do peregrino no jantar. A taperia (restaurante de petiscos) “O Albergue” foi o meu destino.

O lugar rústico, mantendo o clima medieval do vilarejo, localizado próximo à praça central, estava lotado de jovens locais e turistas.

O menu do jantar foi super farto:

  • Entrada: salada e pães.
  • Prato principal: frango e batatas fritas.
  • Sobremesa: “tarta de Santiago“.
  • Bebida: uma taça de vinho tinto espanhol.
  • Cafezinho para finalizar.

Toda essa fartura me custou apenas 9,50 euros. Diga se o menu do peregrino não é um milagre ?!

Fim do primeiro dia no Caminho Português. Hora de descansar para madrugar no dia seguinte e percorrer os 33 km até Redondela.

Dia 2: de TUI a REDONDELA

Comecei o caminho às 07 horas da manhã. Ainda estava escuro, pois o sol só nasce depois das oito durante o outono. 

Fazia um frio de 12 graus; temperatura esperada para final do mês de setembro. Mas eu estava preparada e super ansiosa.

Iniciei minha caminhada seguindo as indicações das vieiras e setas amarelas.

O vilarejo estava em silêncio, pois os moradores ainda dormiam. Nas ruas desertas, apenas alguns peregrinos, como eu.

Caminho de Santiago de Compostela
No quarto do Hotel de Tui. Pronta para iniciar a peregrinação.
Caminho de Santiago de Compostela
Antes do amanhecer em Tui. Saindo para fazer o percurso até Redondela.

As indicações me conduziram até um bosque, no qual deveria adentrar para seguir na trilha.

Nesse momento me lembrei da história macabra da peregrina americana, contada, como advertência, pela dona da cafeteria em Valença do Minho.

Estava, então, decidida a esperar o nascer do sol para entrar no bosque e seguir na trilha até Redondela.

Mas, por sorte, encontrei um casal de peregrinos tirando fotos na entrada do bosque. Era um jovem italiano, chamado Matteo, e uma australiana de meia idade, Sue.

Pedi para acompanhá-los no percurso e, para minha felicidade, fui bem acolhida.

Assim, entramos os três no bosque em penumbra, esperando o amanhecer, enquanto caminhávamos.

Foi uma caminhada muito agradável, com muito bate-papo em inglês, troca de culturas e experiências, além muitas fotos e companheirismo.

Finalmente, após 18km de percurso, chegamos a O Porriño.

Paramos para almoçar o “menu do peregrino”. Uma refeição super farta e com preço bastante acessível. Para der direito a comê-lo, devemos mostrar nossa Credencial del Peregrino

Os lugares que oferecem o menu do peregrino tem placas indicativas na fachada.

Uma das opções para almoço do dia era Cordeiro com batatas fritas. Não gostei muito do prato, pois não sou muito fã de carne gordurosa. Mas o pessoal do restaurante foi gentil e trocou o meu pedido por frango. 

A refeição completa me custou 7,30 euros.

Caminho de Santiago de Compostela
Placa na fachada do restaurante, indicando que oferece o "menu do peregrino".
O Caminho Português
"Menu do Peregrino", prato principal: Cordeiro com batata frita e legumes.

Após o almoço, ainda cansada, precisei seguir minha peregrinação.

Levava nas costas uma mochila de pouco mais de 9 kg, que durante a caminhada parecia pesar o dobro.

Eu devia ter ficado nesse vilarejo – O Porriño -, pois corresponderia a um trecho do percurso. Mas como no meu planejamento achei que poderia fazer os 33 km num só dia, tive que seguir até Redondela, onde uma reserva de hotel me esperava.

Sue, a australiana, ficou em O Porriño e eu segui caminhando com Matteo. Mas seu ritmo era mais rápido que o meu, já que precisava chegar no próximo destino em tempo para conseguir uma vaga no albergue.

Matteo seguiu adiante e eu fiquei para trás, em ritmo mais lento, caminhando sozinha o resto do percurso.

O trecho entre O Porriño e Redondela foi um verdadeiro teste de resistência. Muitas subidas e descidas, entre bosques e vilarejos.

Parava com frequência para descansar as costas e os pés. Caminhava em ritmo bem lento, na ideia do “devagar e sempre”.

Alguns peregrinos que faziam o Caminho em bicicleta passavam por mim com olhar de compaixão, ao ver meu claro estado de exaustão.

Realmente o cansaço tomou conta do meu corpo. Entretanto, considerando a pessoa perseverante que sou e a impossibilidade de parar no meio do Caminho, segui minha lenta caminhada. Sabia que mais cedo ou mais tarde iria chegar.

Minha única preocupação era conseguir alcançar meu destino ainda sob a luz do sol. Não queria correr o risco de caminhar sozinha na escuridão dos bosques.

Finalmente, por volta das 19:00, quando ainda estava claro, cheguei a Redondela.

No centro da vila procurei um bar para pedir informações sobre a localização do hotel, aproveitando para comprar água.

Descobri que para chegar no hotel que havia reservado, ainda teria que caminhar mais 20 minutos, descendo por uma via costeira. O hotel ficava num penhasco à beira-mar.

O dono do bar, muito simpático, se animou ainda mais em me ajudar quando soube que eu era brasileira.

Trouxe do fundo do estabelecimento uma grande bandeira do Brasil, orgulhando-se em dizer que o pai era brasileiro e que ele já havia estado em nosso país.

O simpático espanhol, vendo meu aspecto de esgotada, sugeriu chamar um táxi para me levar até o hotel.

Não pude recusar. Realmente não suportava dar sequer um passo a mais, depois de 12 horas caminhando com quase dez quilos nas costas. Além disso, os pés já estavam bem calejados e incomodavam bastante.

Ficou a lição; Fui com sede demais ao pote! Tinha que ter parado em O Porriño.

Caminho de Santiago de Compostela
Bar em Redondela. Atencioso proprietário que chamou o táxi para me levar até o hotel.
Defronte ao Hotel Santo Apóstol; Redondela.

Chegando ao Hotel Santo Apóstol. Pensei que minha aventura de peregrina havia acabado por ali. As dores mal me permitiam ficar em pé e tocar os pés no chão.

O hotel, um lindo casarão na encosta, tinha mais de um pavimento e não possuía elevador.

Imagina o tamanho do meu sacrifício para subir a escadaria ao o andar superior, onde estava meu quarto !

Para minha felicidade, o quarto era muitíssimo confortável. Espaçoso, com uma cama de casal maravilhosa e chuveiro delicioso. Para completar, ainda tinha um amplo janelão com vista para o mar.

Nesse momento, percebi o quão acertada foi a minha decisão de me hospedar em hotel em vez de albergue.

Nesse, eu correria o risco de não conseguir cama para dormir, devido ao horário de chegada, e não teria o mesmo conforto e privacidade de um hotel.

Caminho de Santiago de Compostela
Quarto do Hotel Santo Apóstol
Caminho de Santiago de Compostela
Paisagem vista da janela do quarto no Hotel Santo Apóstol.

Antes de iniciar o Caminho, eu já havia lido e ouvido alguns peregrinos comentarem sobre a presteza das pessoas que trabalham nos locais de acomodação. Dizem que elas possuem o “espírito do Caminho de Santiago”.

Depois do simpático e gentil proprietário do bar – aquele que chamou o táxi para me levar até minha hospedagem -, a dona do hotel foi a segunda pessoa a comprovar a real existência desse “espírito do Caminho”.

Ao perceber o meu estado de exaustão e dificuldade para caminhar, ela se ofereceu para cuidar das minhas bolhas. Fez curativo e ainda me deu medicamento para seguir aplicando ao longo do percurso.

Mas além dos maravilhosos cuidados com meus pés, a Senhora me forneceu a informação mais valiosa naquele momento. Ela mencionou um serviço de transporte de bagagem entre acomodações ao longo do percurso.

Eu, que já estava descrente de conseguir concluir meu trajeto, carregando uma mochila pesada nas costas e com pés super calejados, me enchi de esperança diante daquela informação.

Caminho de Santiago de Compostela

A empresa que presta esse serviço de transporte de bagagem é a Tuitrans (info@transportedemochilas.com).

O serviço funciona da seguinte forma: deixa-se, na recepção da acomodação de saída, a bagagem junto com um envelope da empresa ‘Truitans”. Nele deve constar o endereço da hospedagem no destino e 5 euros em espécie (esse foi o valor que paguei quando fiz o Caminho).

Passei a contratar esse serviço em todos os hotéis onde me hospedei. Levava para a peregrinação apenas a pequena “mochila de ataque” (estilo colegial), que não pesava mais do que 2 kg.

Nela, iam alguns lanchinhos, água, casaco, necessaire básica, documentos, celular e carregador.

Posso afirmar que foi graças ao serviço de transporte de mochilas que consegui terminar o Caminho.

Dia 3: de REDONDELA a PONTEVEDRA

Acordei mais tarde, por volta das nove horas, já com a luz do sol. Estava tão cansada do dia anterior que resolvi dormir um pouco mais.

Além disso, não quis cometer o equívoco de sair de madrugada e seguir a trilha do bosque na escuridão.

Para minha felicidade os pés e pernas estavam mais descansados; me reanimei para seguir o Caminho.

Tomei meu café da manhã e despachei minha mochila pelo serviço de transporte. Saí do hotel as 10:00, caminhando mais leve, só com a “mochila de ataque”, e em ritmo de passeio.

Entrei no bosque sozinha, mas cercada de peregrinos. A maioria deles em duplas ou pequenos grupos. Na verdade, não vi muitos peregrinos caminhando sozinhos, como eu.

O Caminho Português
No meio da trilha, uma jovem aproveita para vender as 'vieiras' que decoram as mochilas do peregrino.
Alguns peregrinos no caminho até Pontevedra

Achei curioso o hábito europeu de passar as férias fazendo trilhas. Muitos dos peregrinos pareciam bem acostumados com a caminhada. Equipados, com seu cajado e botas de trekking, caminhavam em ritmo bem enérgico; como se estivessem fazendo uma caminhada matinal de rotina. Boa parte deles eram casais de meia idade.

Quando os via passar naquela disposição, senti falta do apoio de um cajado para ajudar na minha caminhada com os pés sofridos. Mas segui assim mesmo; não quis adquirir mais bagagem.

Esse segundo trecho foi de pouco mais de 14 km. Percorri em aproximadamente 4 horas. Bem mais tranquilo que o dia anterior.

Sempre caminhando entre vilarejos e bosques, com muitas subidas e descidas.

Em alguns momentos tive a rápida companhia de alguns peregrinos passantes. Mas logo, já seguiam seu passo, bem mais acelerado que o meu. Afinal de contas, o meu ritmo estava bem lento por causa das bolhas que ainda incomodavam.

Eram momentos de muita introspecção; sempre ao som de músicas para meditação.

Antes de sair do Brasil, fiz o streaming de cânticos gregorianos, músicas indianas e coletâneas da cantora Enya. Organizei todas elas numa pasta em meu celular.

Durante toda a caminhada, algo que me chamou muito a atenção foi a gentileza, cuidado e presteza que o povo “gallego” (da região da Galícia) tem com os peregrinos.

Sempre que percebiam que o peregrino estava indo pela rota equivocada, tratavam de alertá-lo.

O Caminho Português
Mensagem de “Bo Camiño” no muro de uma residência

Por todos os lados, a frase que mais ouvi foi BO CAMIÑO”. Significabom caminho’ em gallego, que é o idioma falado na região da Galícia. Como deriva do latim, tem muitas palavras parecidas com o português. 

Ao chegar em Pontevedra, rapidamente encontrei o hotel que havia reservado; Hotel Avenida.

Mesmo sem internet, não tive dificuldades para localizá-lo. Utilizei a estratégia de fazer um print do mapa do percurso em meu celular e depois seguir o caminho com o auxílio do GPS do Google Maps.

Fiquei na expectativa de encontrar a minha mochila na recepção. Queria ver se o serviço de transporte de bagagem Tuitrans realmente funcionava.

Felizmente a mochila estava lá. Que alívio! Estava segura para seguir contratando o serviço durante todo o resto do percurso. 

Hotel Avenida tem excelente localização; bem no centro histórico de Pontevedra.

O quarto é bem espaçoso, muito iluminado, e o banheiro tem um chuveiro dos deuses. 

Aproveitei para tomar um longo banho quente e me restabelecer, antes de descer para almoçar.

Com certeza, ficar em hotel desse porte, pagando apenas 32 euros, é muito mais vantajoso que os 10 euros de um albergue.

Caminho de Santiago de Compostela
Centro Histórico de Pontevedra
O Caminho Português
Quarto do Hotel Avenida

Depois de um bom banho revigorante e havaianas nos pés, desci para o restaurante do hotel, em busca do meu “menu do peregrino”.  

Realmente o menu desse restaurante me surpreendeu. Superou todos os outros que havia provado até o momento.

De entrada, um farto prato com salada e sardinhas fritas. Como prato principal, duas postas de atum ao molho de azeite e alcaparras, acompanhado de batatas cozidas. E para a sobremesa, um delicioso pudim de leite com calda de caramelo. Tudo isso acompanhado de uma garrafa inteira de vinho tinto espanhol; todinha só pra mim! E o melhor de tudo; apenas 9,50 euros.

Achei que não ia aguentar como tudo aquilo, mas estava faminta. Durante as 5 horas de caminhada, havia comido apenas alguns lanchinhos. 

Comi tudinho, de lamber os beiços. E ainda bebi quase a garrafa inteira. Não preciso dizer porque que, depois desse almoço de rainha, bateu aquele sono …

Subi para descansar um pouco e me recompor para um passeio rápido pelo centro histórico.

Afinal de contas, eu não só estava ali para peregrinar; também tinha que aproveitar para turistar.

Por volta das 17 horas fui dar uma volta pelo centro histórico de Pontevedra.

A cidade estava bastante animada, com muita gente na rua. Especialmente crianças, que brincavam nos parques do caminho na volta da escola. 

Aquele cenário me trouxe um certo saudosismo. Lembrei-me da minha adolescência em Barcelona. Foram quatro maravilhosos anos que, definitivamente, marcaram minha vida. 

Durante o passeio pelo centro do vilarejo, sempre em ritmo lento e calçada nas indispensáveis sandálias havaianas, aproveitei para visitar igrejas e monumentos históricos. 

Também parei num mercadinho ao lado do hotel para comprar o lanche que levaria no percurso do dia seguinte. Abasteci-me com frutas e água.

Finalizei o dia tomando um delicioso café com croissants. Depois, segui para o hotel. Precisava me recompor para o trajeto do dia seguinte.

Pontevedra; O Caminho Português
Mercadinho ao lado do hotel
Comida no Caminho de Santiago de Compostela
Meu jantar numa 'Croissanteria'

Dia 4: de PONTEVEDRA a CALDAS DE REIS

Acordei antes das sete da manhã, pois precisava deixar minha mochila para ser transportada antes das oito horas.

Fazia 15 graus e a previsão era de no máximo 24 graus. Pelo que tudo indicava, não haveria chuva, apesar da época. Seria mais um dia de tempo bom e com sol. Sorte a minha !

Meu café da manhã foi o típico café continental espanhol: suco de laranja, churros e café com leite. Uma delícia!

Caminho de Santiago de Compostela
Típico 'desayuno' (café da manhã) espanhol: churros e café com leite.
Caminho de Santiago de Compostela
Deliciosos churros no no 'desayuno' do Hotel Avenida

Consegui sair de Pontevedra por volta das 8 horas. Meu próximo destino era Caldas de Reis, a 23 km.

O hotel reservado é um balneário. Não via a hora de chegar por lá e relaxar um pouco.

Por coincidência, saindo da cidade, reencontrei Matteo, o jovem italiano companheiro do primeiro dia de percurso. Foi maravilhoso!

Dizem que no Caminho sempre há reencontros. 

Fizemos um longo trajeto conversando e compartilhando experiências. Ele estava se hospedando em albergues, mas se queixava de não conseguir dormir muito bem. Disse que as pessoas faziam muito barulho no quarto.

Para minha surpresa, seguia levando nas costas seu mochilão de mais de 10kg. E surpreendentemente, não parecia estar sofrendo com bolhas nos pés, pois os passos seguiam sendo largos e bem mais rápidos que os meus.

Tive a companhia de Matteo por algum tempo. Mas ele, mais uma vez, precisou acelerar o passo para conseguir vaga no albergue do próximo destino.

Esse trecho do Caminho Português é repleto de vinhedos. Ao mesmo tempo em que também precisamos enfrentar o asfalto das rodovias.

É um trecho mais duro, mais árido e menos bucólico. Além disso, as bolhas nos meus pés incomodavam muito e não me permitiam dar um ritmo mais forte à caminhada.

Caminho de Santiago de Compostela
Caminhada em meio ao parreiral
O Caminho Português
Trecho de asfalto no percurso até Caldas de Reis

Depois de 23km por quase 6 horas de caminhada, cheguei ao tão esperado Balneário Acuña.

Após me acomodar, aproveitei para usufruir dos serviços do hotel-balneário.

Fiz uma massagem nos pés, com choque de água fria e quente; Um tratamento corporal com argila, e um banho na piscina termal.

Paguei 17 euros. Mas valeu muito a pena; foi revigorante. E, afinal de contas, eu merecia esse mimo depois de tanto sacrifício.

Depois de um rápido cochilo, à beira da piscina e embaixo de uma parreira, fui me arrumara para conhecer um pouco do vilarejo e almoçar. Na verdade, pelo tardar da hora, era quase um jantar.

Caldas de Reis é uma cidade bem pacata. Vive em função do turismo para o balneário e peregrinação.

O centro histórico, marcado por edifícios com arquitetura gótica e românica, é margeado por um rio caudaloso. Possivelmente, o nome do vilarejo seja inspirado nele. 

O hotel onde eu estava hospedada fica em uma das margens do rio. Na outra, vários restaurantes convidam o cliente a uma refeição relaxante, apreciando a paisagem.

Aproveitei para almoçar num desses restaurantes. Dessa vez, não tinha o menu do peregrino. 

Pedi um prato dos famosos embutidos espanhóis (jamón serrano, chorizo e queijos), uma cesta de pães e uma boa taça de vinho.

Confesso que foi uma das refeições mais memoráveis da viagem. Um momento extremamente prazeroso. Saboreio até hoje…

Caminho de Santiago de Compostela
Almoço à margem do rio que corta o vilarejo de Caldas de Reis
Caminho de Santiago de Compostela
Delicioso almoço com os famosos embutidos espanhóis: 'jamón serrano' e 'chorizo'

No cair da noite, fui até uma farmácia para comprar medicamentos e curativos para tratar as bolhas. Logo em seguida, retornei ao hotel. Mais uma vez, precisava dormir e me recuperar para a caminhada do próximo dia.

Dia 5: de CALDAS DE REIS a PADRÓN

Um maravilhoso buffet de café da manhã, com frios, queijos, frutas, pães e iogurte, me esperava no restaurante com vistas para o rio.

Fiquei super feliz, porque até o momento, nenhum outro hotel havia incluído o “desayuno”  (café da manhã) na diária. 

O Caminho Português
Buffet de café da manhã incluso na diária do Hotel Acuña
Caminho de Santiago de Compostela
Delícia de pão integral espanhol, queijo e 'jamón serrano'.

Saí do hotel às 8 horas, literalmente “forrada” e  pronta para mais um dia de caminhada e lanchinhos.

Na minha mochila, ainda restavam alguns dos biscoitos de amendoim que comprei em Aveiro, Portugal. Eles saciaram minha fome ao longo da caminhada nos trechos anteriores.

Estava escuro, nublado e fazia bastante frio; 11 graus.

Pensei que fosse chover, mas, por sorte, o sol apareceu, assim como nos outros dias. Mesmo assim, a temperatura só começou a subir depois das 13 hrs. 

O Caminho Português
Saindo de Caldas de Reis ao amanhecer
O Caminho Português
Uma linda fonte "sem água"

Nesse dia a caminhada foi difícil. Ainda não tinha conseguido curar as bolhas, de modo que meu ritmo era bastante lento. Estava fazendo menos de 4km por hora. imagina a lentidão …

Reencontrei uma madrilenha, com a qual havia caminhado uma parte do percurso no dia anterior. Ela passou por mim em ritmo acelerado, calçada em sandálias de trekking e dedos ainda envoltos em esparadrapos. Visual típico de peregrinos calejados.

No dia anterior, quando lhe falei das minhas bolhas, ela me contou que uma pessoa do albergue onde ela se hospedou havia drenado e tratado as suas.

Como ela parecia tão recuperada, fiquei me perguntando o que eu estaria fazendo de errado ao tentar drenar minhas bolhas. Por que elas não cicatrizavam como as da madrilenha?

Enfim… segui sofridamente meu caminho com várias subidas e descidas entre vilarejos, montanhas e bosques. Esse trecho foi duro e, além disso, tinha os pés bem calejados.

Observei ao longo desse trecho uma espécie de santuários, onde os peregrinos deixam cabaças d’água, cajados e até a botina.

Era como uma representação da atitude de desprendimento de bens materiais; fundamental para se fazer o Caminho. 

O Caminho Português
Cabaças , cajado, botinas e pedras do Caminho formam esse "santuário"

Outro fato que quero destacar é só ter encontrado uma fonte de água natural nesse penúltimo trecho.

Havia lido que era comum reabastecer o cantil com água das fontes, mas não foi isso o que percebi. Não encontrei fontes de água potável; tinha que comprar água engarrafada nas cafeterias dos vilarejos.

Finalmente, depois de 20km numa caminhada de 6 horas, estava entrando em Padrón.

Parei no primeiro restaurante interessante que avistei e pedi o menu do dia: ovos mexidos com champignon e abobrinha; uma taça de vinho e, para sobremesa, uma fatia de “tarta de Santiago”.

O almoço não foi dos mais saborosos. Mas o lugar era agradável; pude usar o banheiro e ainda descansei um pouco antes de seguir até o hotel.

O Caminho Português
Menu do Peregrino: ovos mexidos com legumes e taça de vinho.

Caminhava lentamente sob os olhares piedosos de outros peregrinos mais dispostos.

Cruzei o centro histórico de Padrón, com belas construções medievais. Um enorme mosteiro se destaca à margem do rio que atravessa a Cidade.

Finalmente cheguei ao Hotel Rosalía.  Mais simples que todos os que havia estado até o momento, um pouco distante do centro histórico e com serviço de limpeza que deixava a desejar.

Tomei uma longa chuveirada para me recompor. Mas meus pés ainda incomodavam muito.

Os medicamentos que havia comprado em Caldas de Reis não estavam ajudando a cicatrizar as bolhas. Precisa fazer algo urgentemente, pois mal conseguia colocar os pés no chão.

Resolvi procurar ajuda numa farmácia local. Foi quando, pela primeira vez, me ensinaram como drenar uma bolha. 

A farmacêutica me explicou que eu precisava atravessar uma agulha com linha pela bolha e deixar por toda a noite, até que o líquido saísse, pois é ele que causa as dores.

No dia seguinte, após drená-la, aí sim, poderia usar o remédio cicatrizante e envolver com esparadrapo.

Bolhas nos pés - Caminho de Santiago de Compostela
Drenando a bolha com a linha

Eu estava fazendo tudo errado. Furava as bolhas e ficava espremendo com os dedos até que parecessem secas. O problema é que dessa forma, elas não eram completamente drenadas e por isso, nunca cicatrizavam.

Embora bastante indisposta, ainda dei um breve passeio pelo centro histórico. Parei para jantar numa lanchonete bem simples; pedi uma pizza semipronta com uma taça de vinho. Paguei  7,90 euros num jantar “mata-fome”. Bem diferente das refeições que vinha fazendo até o momento.

Depois, segui para o hotel. Precisava drenar minhas bolhas o mais rápido possível.

Dia 6: de PADRÓN a SANTIAGO DE COMPOSTELA

Acordei com as bolhas drenadas e doendo bem menos. Fiquei super aliviada, pois iria caminhar sem tantas dores e num ritmo melhor.

Desci mais animada para o café da manhã que, para minha grata surpresa, estava incluso da diária de 30 euros.

Um “desayuno” individual, com muito carboidrato (dois grandes pães por pessoa), queijo, presunto, geleias e café com leite. Comi tudo e parti para meu último trecho do Caminho.

Café da manhã incluso no valor da diária
Caminho de Santiago de Compostela
'Desayuno' farto em carboidrato. Energia de sobra para aguentar a longa caminhada.

A ansiedade era grande. Não via a hora de chegar a Santiago de Compostela.

Apesar do fato de as bolhas já não estarem incomodando tanto quanto nos últimos dias, eu ainda não conseguia caminhar no ritmo necessário para chegar a Santiago de Compostela em tempo para a missa do peregrino, às 12:00.

Precisei fazer um pedaço do percurso em ônibus. Desci em Milladoiro e segui pela trilha até Santiago de Compostela.

Nesse último trajeto, tive a companhia de um morador local que fazia sua rotineira caminhada matinal. Um senhor de meia idade.

Muito conversador e simpático, o senhor perguntou se eu queria que ele me mostrasse um atalho até o centro histórico de Santiago de Compostela.

Naquele momento, mais uma vez, me veio à mente a história da americana assassina.

Logo disse que não queria atalho. Que iria seguir a rota de todos os peregrinos.

Nesse momento ele seguiu em sua trilha de caminhada e eu desviei, seguindo a trilha de peregrinação.

Entrando na cidade de Santiago de Compostela, o Centro Histórico já se destaca no alto de uma montanha. 

Por volta das 11:30, finalmente eu entrava na Cidade Antiga. A emoção por estar concluindo meu percurso tomou conta de mim.

Caminhando pelas estreitas ruelas em direção à Catedral, somos envolvidos pela atmosfera medieval do lugar.

Quando finalmente cheguei à Catedral de Santiago de Compostela, fui tomada por uma emoção indescritível. Estava inundada pelo sentimento de superação e orgulho próprio.

Foram 113km de caminhada dura, solitária e dolorosa. Mas com persistência, determinação, coragem e ousadia, atingi meu objetivo.

A sensação que tive naquele momento foi de capacidade absoluta para conquistar tudo aquilo que eu propuser.  Posso dizer que é um sentimento maravilhoso de “empoderamento”.

Caminho de Santiago de Compostela
O registro da superação
Caminho de Santiago de Compostela
Fachada da Catedral de Santiago de Compostela em restauração

Enquanto esperava a “Misa del Peregrino” defronte à Catedral de Santiago de Compostela, aproveitei para descansar e desfrutar daquele momento de auto realização.

Infelizmente, a fachada da Catedral estava em restauração. Não pude apreciá-la em detalhas nem registrar sua total beleza nas fotografias.

Finalmente, às 12:00, estava eu na tão ansiada missa do peregrino.

Descobri que, diferentemente do que eu havia lido durante a preparação do meu roteiro, a Missa acontece duas vezes ao dia, e não apenas no fim da manhã. Podia ter deixado para assistir no fim da tarde. Dessa forma, não teria sido necessário fazer um pedaço do último trecho em ônibus. Fica a dica!

Quando adentrei à Catedral, procurei me posicionar o mais próximo possível do altar. Queria acompanhar de perto cada detalhe da celebração.

A Catedral em estilo gótico tem a forma de cruz. Eu me acomodei justo na interseção entre as duas naves (os dois eixos da cruz). Uma posição privilegiada.

A Missa do Peregrino é celebrada em latim. Os cânticos gregorianos e a música que emanava dos imensos órgãos ajudavam a manter a atmosfera medieval.

Depois de alguns minutos de celebração, vem o momento mais esperado por mim, a benção com o gigantesco ‘botafumeiro” (incensário).

Diz-se que, antigamente, esse momento não só servia para a benção ao peregrinos como também para disfarçar o mau odor que tomava conta da cerimônia. Afinal de contas, o público havia passado dias caminhando e sem o asseio adequado.

O imenso incensário é tão pesado que são necessários oito padres para suspendê-lo e fazê-lo circular no ar ao longo das duas naves da Catedral.

Depois da cerimônia, aproveitei para visitar, mais tranquilamente, o túmulo do Santo que dá nome à Cidade. Ele fica por trás do altar.

Conta-se que o corpo de São Tiago foi encontrado cercado por vieiras. Por isso que esse molusco, típico da região costeira da Galícia, tornou-se símbolo do Caminho.

Após a Missa do Peregrino, fui providenciar a Compostela, aquele certificado que comprova a peregrinação no Caminho de Santiago de Compostela.

Próximo à Catedral está a Oficina del Peregrino. Esse é o lugar onde a Compostela é emitida após apresentação da Credencial del Peregrino e comprovação de haver percorrido o mínimo de 100 km à pé ou 200 km em bicicleta.

O lugar é facilmente identificado pela gigantesca fila de mochileiros.

Há peregrinos procedentes de vários países e continentes> A maior parte, do continente europeu; principalmente espanhóis.

Depois de um bom tempo na fila, finalmente pude pegar minha Compostela. Senti uma emoção semelhante à experimentada em outros bons momentos de conquista ao longo da vida, a exemplo da aprovação no vestibular para a Universidade Espanhola; da formatura no curso de Arquitetura e da certificação como Controladora de Tráfego Aéreo.

Caminho de Santiago de Compostela
Com o 'canudo' em mãos. Minha certificação de conclusão do Caminho de Santiago de Compostela.
Caminho de Santiago de Compostela
'Compostela' - Certificado de Peregrino do Caminho de Santiago de Compostela.

Depois do dever cumprido, merecia relaxar, almoçar como uma rainha (comendo um maravilhoso e farto “menu do peregrino”) e brindar à minha conquista com uma deliciosa taça de vinho tinto espanhol.

Sentei-me numa das mesinhas externas de um bom restaurante, com vistas para a Catedral, e pedi o meu banquete.

Após o almoço, ainda fui perambular mais um pouco pelo centro histórico da Cidade. O clima era muito festivo; as pessoas estavam animadas. Havia muitos restaurantes de frutos do mar, docerias, lojas de souvenir, bares etc.

Meus pés já não incomodavam tanto. E com um sentimento de dever cumprido, desfrutei daquele momento de total realização e relaxamento. Passei bastante, fiz minhas comprinhas de souvenir, comi a famosa “tarta de Santiago” e, ao anoitecer, parti a procura do meu hotel.

Caminho de Santiago de Compostela
Frutos do mar fresquinhos nos restaurantes do centro histórico de Santiago de Compostela.
Caminho de Santiago de Compostela
A famosa e deliciosa 'Tarta de Santiago' numa das vitrines das muitas docerias do centro histórico de Santiago de Compostela.

Reservei uma diária no Nest Style Santiago. Um hotel moderno, bem próximo ao centro histórico. O quarto era super confortável e a diária incluía o café da manhã.

Como eu iria sair para o aeroporto, retornando para o Brasil, às 4 horas da madrugada do dia seguinte,  não iria poder tomar o café da manhã incluso na diária.

Mas a recepcionista, muito gentilmente, deixou meu ‘desayuno’ preparado; um kit com: sanduíche, frutas, iogurte e cápsulas para a máquina de café expresso disponível na recepção. Nota dez para o serviço desse hotel!

Parti na madrugada do dia seguinte à minha chegada em Santiago de Compostela.

Voei pela Iberia até Madrid, onde fiz conexão com destino a Lisboa.

Em Portugal peguei o voo da Cabo Verde Airlines de volta ao Brasil.

Aqui termina minha experiência como peregrina do Caminho Português; com muitas histórias, aprendizados e vontade de repetir.

Talvez minha próxima peregrinação seja pelo tão falado Caminho do Norte. Vou me preparar para essa nova aventura e depois conto aqui como foi.

Kelly Fabiani

Mulher, Mãe, Alagoana, Arquiteta e Controladora de Tráfego Aéreo. Viajar sempre fez parte da minha vida. Em 2012, aos 40 anos de idade, me tornei Viajante Solo e, desde então, venho colecionando experiências, histórias e dicas de viagem pelo Brasil e por outros países mundo afora. No “Pelo Mundo By Myself“, compartilho todas elas com o intuito de auxiliar outros viajantes independentes na preparação de seus roteiros e para encorajar outras mulheres a desbravarem o mundo sozinhas, sem medo de ser feliz.

Vem Pelo Mundo By “Yourself”!

Este post tem 10 comentários

  1. Heloisa Bason

    Olá Kelly. Gostei muito de seu Caminho de Compostela. Estou pretendendo faze-lo no próximo ano, no final de março. Já fiz o caminho frances que foi ótimo. Vc percebeu se há transporte de mochilas em Portugal. Usei o serviço pelo caminho inteiro na Espanha, mas não encontro nenhuma indicação desse serviço em Portugal. Somos quase vizinhas…moro no Recife…um abraco

    1. Kelly Fabiani

      Oi Heloísa ! Sim. Há transporte de mochila. No post do blog e no vídeo do YouTube deixo o nome da empresa.

  2. rodrigo

    qual empresa voce fez o trajeto porto a Tui?

    1. Kelly Fabiani

      Oi Rodrigo !
      Fui pra Tui por conta própria. Sem empresa. Apenas peguei o trem até a fronteira de Portugal com a Espanha. Cruzei a fronteira caminhando.

  3. Luciene

    Oi Kelly!! obrigada pelas dicas. Eu e meu marido vamos fazer os mesmos 110km que você fez. Queria saber como fica a questão dos banheiros…
    Porque normalmente bebo muita água, caminhando então muito mais. Daí fiquei pensando se durante o caminho seria fácil encontrar banheiros e se são minimamente limpos.

    obrigada

    1. Kelly Fabiani

      Oi Luciene ! Fico feliz que minha experiência tenha te inspirado. Quanto à questão dos banheiros, ao longo do caminho, estamos sempre cruzando vilarejos, e todos eles têm lanchonetes ou cafeterias. Os banheiros costumam ser limpos. Acredito que não terá problemas.
      Abraço e Bo Camiño !

  4. ronie

    Kelly, aonde vc fez a reserva dos hoteis ?

  5. Sandra Specht

    Oi, Kelly, tudo bem? Gostei muito das suas dicas, foram muito práticas. Farei o caminho no inverno (01.01.24). Sei que será outra realidade, mas estou me preparando e muito animada. Compartilhe sempre suas viagens. Um abraço

    1. Kelly Fabiani

      Oi Sandra ! Fico feliz em saber que minha experiência vai te ajudar. Boa viagem!
      Certamente seguirei compartilhando outras viagens por aqui. Obrigada pelo feedback

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